O Adyr foi um diretor íntegro, batalhador incansável. Figura polêmica, contraditória, imprevisível, explosiva. Difícil de se conviver com ele. Desencadeava fortes emoções e sentimentos conflitantes como os do amor e do ódio, da amizade e do temor. Parecia ser onisciente e onipresente dentro do Hospital. Era um carismático sem querer sê-lo.
Podia-se amá-lo ou odiá-lo, ter-lhe amizade ou considerar-lo um inimigo, mas nunca ser indiferente à sua existência.
Sua figura física e sua personalidade, muitas vezes faziam-nos pensar se o Cap. Rodrigo não teria se transmutado das páginas do Érico Veríssimo para tomar assento na poltrona do Diretor.
A porta de seu gabinete estava sempre aberta como os mata-burros de uma estância. Acredito mesmo que poucos se surpreenderiam se, ao transpor seus umbrais, deparassem com um gaúcho de esporas, bota embarrada, pala e chapelão de barbicacho, tomando chimarrão e lhe saudando com a mão estendida:
- Oi, tchê! Te achega ao fogo, puxa um pito e me conta as novidades...
O tempo que permanecia dentro do Hospital, do alvorada até depois do toque de recolher, e a simpatia campeira de sua acolhida, faziam com que soubesse de tudo e de todos.
A sua figura física e sua personalidade irradiavam força, uma força bruta, mal domesticada, rebelde às peias da cidade grande, ao artificialismo e hipocrisia civilizada, à burocracia do serviço público do qual era servidor há 25 anos.
Desprezava as aparências e preocupava-se com as realizações.
Adyr era direto, freqüentemente contundente na linguagem. Muitas vezes mesmo, rude. Entretanto, ele sabia valorizar e estimular a crítica honesta, como também não se deixava envolver pelos elogios fúteis.
Adyr era a natureza do gaúcho, em suas virtudes e defeitos, vista em transparência. Era um líder nato, com características predominantemente autocráticas. O vigor na comunicação das suas decisões eram um "coice de mula nas partes do peão, a lhe fazerem perder o fôlego!"
Aos primeiros contatos suas atitudes desconcertavam, intrigavam, confundiam. À continuidade do convívio, ele inspirava confiança, segurança, porque se mostrava translúcido em suas intenções, sempre voltadas para o que acreditava ser o melhor para o Hospital. Por outro lado nunca deixou de ser sensível às argumentações e ponderações e não temia retroceder ou retratar-se se convencido de que suas decisões não haviam sido as melhores.
Mas atrás de toda a sua aparente rudeza existia um outro indivíduo que Adyr só dava a conhecer aos que lhe estavam mais próximos - era, sobretudo muito humano e sensível, capaz de comover-se, mal conseguindo disfarçar as lágrimas.
Também era de uma inteligência atilada, um espírito perspicaz, que tinha um talento essencial para quem exerce funções gerenciais - sabia identificar pessoas com as potencialidades necessárias para preencher os cargos na organização.
Também era capaz, sendo coerente com suas características
contraditórias, de executar com mestria o jogo político dos civilizados.
Ele foi um administrador que deixou indelével sua passagem pela Direção do Hospital materno Infantil Presidente Vargas. Poucos têm conhecimento de suas inúmeras realizações - desde a obra de reestruturação física do Hospital, do lançamento das bases organizacionais para que se possa desenvolver uma administração científica, até ao apoio, quase incondicional para a organização do ensino médico de pós-graduação, a Residência Médica do Hospital.
Muitas gerações, esperamos, serão beneficiadas - embora não o saibam! - pelo que ele fez ou estimulou para que se faça.
Adyr morreu como se deve morrer um gaúcho de sua estirpe -
campeirando!
Vinha de Venâncio Aires onde tinha estado, mais uma vez, levando a solidariedade de sua experiência aos companheiros da localidade para reorganizarem seu hospital.
Como símbolo de sua passagem pelo Hospital fica a Cantina dos Servidores - um galpão crioulo que encravou entre as paredes de concreto do Hospital como uma bandeira a assinalar a conquista da terra, ao fim da peleja.
Aos amigos, que tiveram o privilégio de conhecê-lo e com ele conviver, fica a saudade do gaúcho do "Sítio do Coqueiro Torto" e a incógnita dos mistérios da natureza humana...
Revista Científica do HMIPV
Porto Alegre - RS - Brasil - 2(3): 149-150, set/dez. 1981