Adyr
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1939 - 1981

"O médico Adyr di Bernardi, de 42 anos,
diretor do Hospital Presidente Vargas,
faleceu às 3h 20min de ontem em acidente de trânsito ocorrido na Avenida Castelo Branco..."

Jornal Correio do Povo
Porto Alegre, RS, Brasil 30.09.1981

O repórter não sabia, mas ao redigir esta nota estava consagrando na imprensa
um título que Adyr fez por merecer - o de MÉDICO HONORIS CAUSA
do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas.

Este foi um grande e último desafio que Adyr soube vencer - embora não sendo médico, conseguiu administrar bem um hospital que além de ser público é altamente especializado, e teve seus méritos reconhecidos pelo Corpo Clínico.

Uma placa de prata afixada na Cantina dos Servidores consagra este reconhecimento na homenagem que lhe prestaram os Médicos do Serviço de Pediatria.

"Ao Dr. ADYR di BERNARDI, Diretor Geral do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas:
Cuja dedicação à sua função tem dado um respaldo moral às suas exigências...

Cuja capacidade técnica e visão administrativa estão propiciando condições para que os médicos desempenhem suas responsabilidades e desenvolvam suas aspirações científicas...

Cujos defeitos nunca chegarão a comprometer suas virtudes,
pois uma delas é admitir que tem defeitos..."

 

O Adyr foi um diretor íntegro, batalhador incansável. Figura polêmica, contraditória, imprevisível, explosiva. Difícil de se conviver com ele. Desencadeava fortes emoções e sentimentos conflitantes como os do amor e do ódio, da amizade e do temor. Parecia ser onisciente e onipresente dentro do Hospital. Era um carismático sem querer sê-lo.

Podia-se amá-lo ou odiá-lo, ter-lhe amizade ou considerar-lo um inimigo, mas nunca ser indiferente à sua existência.

Sua figura física e sua personalidade, muitas vezes faziam-nos pensar se o Cap. Rodrigo não teria se transmutado das páginas do Érico Veríssimo para tomar assento na poltrona do Diretor.

A porta de seu gabinete estava sempre aberta como os mata-burros de uma estância. Acredito mesmo que poucos se surpreenderiam se, ao transpor seus umbrais, deparassem com um gaúcho de esporas, bota embarrada, pala e chapelão de barbicacho, tomando chimarrão e lhe saudando com a mão estendida:

- Oi, tchê! Te achega ao fogo, puxa um pito e me conta as novidades...

O tempo que permanecia dentro do Hospital, do alvorada até depois do toque de recolher, e a simpatia campeira de sua acolhida, faziam com que soubesse de tudo e de todos.

A sua figura física e sua personalidade irradiavam força, uma força bruta, mal domesticada, rebelde às peias da cidade grande, ao artificialismo e hipocrisia civilizada, à burocracia do serviço público do qual era servidor há 25 anos.

Desprezava as aparências e preocupava-se com as realizações.

Adyr era direto, freqüentemente contundente na linguagem. Muitas vezes mesmo, rude. Entretanto, ele sabia valorizar e estimular a crítica honesta, como também não se deixava envolver pelos elogios fúteis.

Adyr era a natureza do gaúcho, em suas virtudes e defeitos, vista em transparência. Era um líder nato, com características predominantemente autocráticas. O vigor na comunicação das suas decisões eram um "coice de mula nas partes do peão, a lhe fazerem perder o fôlego!"

Aos primeiros contatos suas atitudes desconcertavam, intrigavam, confundiam. À continuidade do convívio, ele inspirava confiança, segurança, porque se mostrava translúcido em suas intenções, sempre voltadas para o que acreditava ser o melhor para o Hospital. Por outro lado nunca deixou de ser sensível às argumentações e ponderações e não temia retroceder ou retratar-se se convencido de que suas decisões não haviam sido as melhores.

Mas atrás de toda a sua aparente rudeza existia um outro indivíduo que Adyr só dava a conhecer aos que lhe estavam mais próximos - era, sobretudo muito humano e sensível, capaz de comover-se, mal conseguindo disfarçar as lágrimas.

Também era de uma inteligência atilada, um espírito perspicaz, que tinha um talento essencial para quem exerce funções gerenciais - sabia identificar pessoas com as potencialidades necessárias para preencher os cargos na organização.

Também era capaz, sendo coerente com suas características contraditórias, de executar com mestria o jogo político dos civilizados.

Ele foi um administrador que deixou indelével sua passagem pela Direção do Hospital materno Infantil Presidente Vargas. Poucos têm conhecimento de suas inúmeras realizações - desde a obra de reestruturação física do Hospital, do lançamento das bases organizacionais para que se possa desenvolver uma administração científica, até ao apoio, quase incondicional para a organização do ensino médico de pós-graduação, a Residência Médica do Hospital.

Muitas gerações, esperamos, serão beneficiadas - embora não o saibam! - pelo que ele fez ou estimulou para que se faça.

Adyr morreu como se deve morrer um gaúcho de sua estirpe - campeirando!

Vinha de Venâncio Aires onde tinha estado, mais uma vez, levando a solidariedade de sua experiência aos companheiros da localidade para reorganizarem seu hospital.

Como símbolo de sua passagem pelo Hospital fica a Cantina dos Servidores - um galpão crioulo que encravou entre as paredes de concreto do Hospital como uma bandeira a assinalar a conquista da terra, ao fim da peleja.

Aos amigos, que tiveram o privilégio de conhecê-lo e com ele conviver, fica a saudade do gaúcho do "Sítio do Coqueiro Torto" e a incógnita dos mistérios da natureza humana...

Revista Científica do HMIPV 
Porto Alegre - RS - Brasil - 2(3): 149-150, set/dez. 1981